
A Corte Constitucional decidirá hoje - se é que decidirá, tantos são os interesses que escoram o clownismo do magnata e político milanês – se na Itália Lex est Rex, ou não. A decisão é do interesse direto dos italianos, que se dividem entre os que preferem pagar o preço do conformismo, e os que não suportam mais o debochado Berlusconi na chefia do governo. A eles, no alto tribunal, ou fora dele, caberá decidir, de acordo com sua soberania, o destino do premier e o destino da República. O mais importante é pensar no princípio fundamental do direito, que torna todos os homens iguais diante da lei, e a tentativa de recuperação, pelos governantes republicanos, do privilégio dos reis absolutistas. No Brasil, tivemos, com a constituição imperial, a presença do poder moderador e a impunidade absoluta do soberano. O artigo 99 é claro: A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Ele não está sujeito a responsabilidade alguma. Não obstante isso, os Ministros de Estado (artigo 133) estavam sujeitos à responsabilidade pelos crimes de traição, peita, suborno e concussão; pelos atos contra a liberdade, a segurança e a propriedade dos cidadãos e pela dissipação dos bens públicos. O artigo 135 era duro: Não salva aos ministros da responsabilidade a ordem do Imperador vocal, ou por escrito. Em suma, os ministros tinham que obedecer ao monarca; no caso em que, ao obedecer-lhe, cometessem um ilícito, não podiam recorrer ao dever da obediência. A inviolabilidade dos reis, como sabemos, era imposta pelas leis e pela tradição. Isso não os livrava dos complôs palacianos para matá-los, nem da justiça do povo, que se exercia, como se exerceu, nas duas grandes revoluções da Idade Moderna, na Inglaterra de 1640 a 1649, e na França de 1789 a 1799. Em ambas, de nada valeu a inviolabilidade de seus reis, que nelas perderam a cabeça.
Enquanto Berlusconi tem se esquivado da justiça e de articulação parlamentar que o destitua, recrudesce a reabilitação do fascismo na Itália, com o perigo de que venha a tomar conta da Europa, onde não faltam grupos ativos da extrema-direita. Recente documentário do cineasta italiano Cláudio Lazzaro – Nazirock – mostra como já não se trata de ameaça, mas de realidade. Entre 2005 e 2008, houve 262 ataques violentos contra centros sociais, imigrantes e grupos de gays e lésbicas. A violência – que também se registra nos antigos paises socialistas – é particularmente odiosa contra os ciganos, negros, latino-americanos. Mais grave ainda – porque demonstra a grande adesão popular aos fascistas – foi a eleição de Gianni Alemanno, conhecido arruaceiro contra as esquerdas, para sindaco (prefeito) de Roma.
A tragédia da Itália tem sido a ausência de forças políticas de centro-esquerda, com tal peso que possam conter a nostalgia do fascismo de Mussolini, que se nutre dos velhos fantasmas do medo contra o diferente. Em suma, do racismo. A decisão da Corte de Roma está sendo aguardada com ansiedade pela consciência humanística da Europa.
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